sexta-feira, outubro 23, 2015

O país do faz-de-conta

Esta 5ª feira o Presidente da República interrompeu o serão dos portugueses e portuguesas para comunicar que tinha indigitado Pedro Passos Coelho. Depois veio o pior...


Cavaco fez o que tinha de ser feito, isto é, indigitar o vencedor das eleições legislativas. Deixar a democracia correr o seu curso. Mesmo que hajam fortes indícios que o Governo apresentado por PPC seja viabilizado na Assembleia, um Presidente da República não pode tomar decisões baseado em probabilidades, por mais esmagadoras* que sejam. E como tal esteve bem. 

Estará igualmente bem quando, após a formação do novo Governo PSD/CDS ser continuamente rejeitada na AR, decidir respeitar a Constituição e oferecer a possibilidade de Governo a outra força política. Essa força política terá depois que fazer o mesmo, e passar a formação do seu Governo em Assembleia de República. 

A questão é que ninguém acredita que Cavaco o vá fazer, particularmente depois do discurso de ontem. Um simples "indigitei Pedro Passos Coelho por ter vencido as eleições legislativas, e porque desde que há democracia em Portugal sempre se convidou o vencedor das eleições a formar Governo" bastava. Fazia todo o sentido. Mas ele foi mais longe, e deu um tiro no pé. Porquê? 

O que Cavaco quer é que um Governo PSD/CDS tenha o apoio do PS, ou pelo menos, de parte dos deputados Socialistas. Esse é o objectivo dele (e do PSD). Após o discurso que fez, ele próprio tornou esse acordo impossível. 

Não acredito que hajam Socialistas que se gostem de rever nas palavras de Cavaco Silva, nem mesmo os que discordam de António Costa. Apelar à consciência dos deputados Socialistas para votarem contra o seu líder, quase que instigando uma revolta dentro do Partido que sempre combateu, é exactamente a receita para o fracasso. Ao atacar a postura do PS em dialogar com outras forças políticas (com assento Parlamentar), e ao tentar relevar que só aceitaria um acordo do PS se fosse com à Direita, o Presidente faz um ultimato aos Socialistas: apoiem o Governo de PPC, não há outra alternativa.

Inevitavelmente, e após estas palavras, nenhum Socialista iria votar contra a moção do António Costa ontem no Largo do Rato. A ameaça do "entre a espada e a parede" para viabilizar um Governo PSD/CDS não é a única opção disponível. Os Socialistas sabem-no, o Presidente também. Resultado: a união dos Socialistas em torno de António Costa, coisa que parecia bastante difícil até há uns tempos atrás, foi o esperado depois de um discurso descuidado e completamente de encontro aos interesses do actual líder Socialista.

Este Governo não irá passar. Nem à 1ª, nem à 2ª, nem à 15ª vez. Mas isso claramente não afecta Cavaco Silva, que deixou claro que enquanto for Presidente, é adepto do "água mole em pedra dura..."

O que invariavelmente irá ocorrer é termos um Governo de gestão até Junho. O que é uma parvoíce e uma falta de respeito pela Constituição e pela vontade da maioria (não esmagadora*) dos eleitores Portugueses. E reparem, eu nem faço parte dessa maioria.



* - no discurso de ontem, Cavaco Silva disse que «a esmagadora maioria dos portugueses» votou em Passos Coelho. A noção do Presidente da palavra "esmagadora" é motivo de consternação.

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