sexta-feira, janeiro 19, 2007

Bruno Nogueira a solo - Crítica


O "stand-up comedian" é uma espécie rara cá em Portugal. Há quem tente ser um, mas não consegue.
Como já muitas vezes foi falado, não se trata de ir para um palco e contar anedotas. Nem transformar anedotas em textos, interligá-los, e fazer daquilo um espectáculo. É algo mais, e muito pessoal.

Esta arte diz-me muito, e já há bastante tempo que me interesso por isto. Lembro-me que era pequeno, e assistia por satélite ao programa do Johnny Carson. Ainda me lembro de lá ver o Jay Leno, o Garry Shandling e o David Letterman. E apesar do meu inglês não ser na altura o que é hoje, achava piada por ver que alguém que não estava vestido de palhaço, subia a um palco e fazia rir uma cambada de gente bem mais velha que eu.

Depois roubaram-me a TV da antena parabólica, e lá se foi a diversão.

Reavivou-se, anos mais tarde, com o fenómeno Seinfeld. A partir dessa data comecei a ser ávido consumidor de livros e cd's sobre stand up comedy, que fui comprando através de familiares que viviam no estrangeiro, ou mesmo nas minhas viagens lá. O fenómeno da internet também me ajudou a perceber melhor o que isto era, e comecei a ter acesso a um grande número de comediantes desconhecidos em terras lusitanas, e referências nos países anglófonos. E desde então não tenho parado de consumir: George Carlin, Woody Allen, Steve Martin, Robin Williams, Wanda Sykes, Jerry Seinfeld, Bill Cosby, David Chapelle, Richard Pryor e Eddie Murphy estão no meu Top 10 (em ordem crescente de preferência), e aconselho toda a gente a ouvi-los, pelo menos uma vez. Isto é, caso estejam interessados em passar um bom bocado.

Há muitos tipos diferentes de stand up comedy, e muitas maneiras distintas para sacar gargalhadas do público. Há outros que têm piada, mas já não se trata bem de stand up comedy. O Rowan Atkinson, por exemplo, tem uns quantos espectáculos com muita graça, mas está a representar. E esse é um dos problemas do Bruno Nogueira.

Quando surgiu em Portugal o "Levanta-te e Ri", eu não gostava do formato do programa, e contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que o vi. Havia um número reduzido de pessoas que ia lá fazer verdadeiramente stand up comedy, e os que a faziam (ex.: Nilton, Pedro Tochas) não lhes achava muita piada. E então apareceu o Bruno Nogueira, um gajo com graça!

Surge agora numa sala, num espectáculo a solo, no São Luiz. O espectáculo começa bem, mas vai gradativamente perdendo a embalagem. A apontar-lhe, o facto de ter tido óbvias oportunidades para fazer pelo menos 2 ou 3 callbacks (uma piada relacionada com outra piada dita anteriormente, geralmente noutro contexto) com graça, e não as aproveitar; a má colocação da punch word na maioria das piadas, o que leva a que por vezes ele conte (desnecessariamente) a piada até ao fim, enquanto o público já a percebeu e já se está a rir dela; a insistência contínua em one-liners (piadas de apenas uma ou duas frases, completamente fora do contexto do que se disse anteriormente); a pouca capacidade de improvisação (tinha um "ponto" escondido aos seus pés), e a pouca interacção com o público; e a própria closing line (piada com que acaba o espectáculo, e que deve ser a que arranca maior número de gargalhadas) era demasiadamente longa e fraquinha. E apesar de ser já típico dele dizer as piadas com um ar sério, é nítido que parte daquela seriedade é por não estar 100% à vontade num palco. E é aí, mais que em qualquer outro sítio, que um comediante de stand up comedy se sente bem.

Há também algo que se impõe dizer: o público português ainda não está preparado para assistir a stand up comedy. E o artista em palco tem que se adaptar ao público que tem. No caso do Bruno Nogueira, a adaptação passou por explicar algumas piadas (ex.: na que fez sobre a Irmã Lúcia — disse que sempre que a via, apetecia atirar-lhe sardinhas — acabou por ter de revelar que era por ela se parecer com um pinguim; houve alguns que captaram a piada inteligente à primeira, mas perdeu força depois de explicada).
O público português ri-se por antecipação da piada que pode ser dita, bate frequentemente palmas a todas as piadas que ouve (o que quebra o ritmo ao comediante), e é pouco exigente naquilo que escolhe para se rir (às vezes até nos rimos só porque os outros se estão também a rir). Eu não gosto de generalizações, muito menos de generalizar o público português, mas todos os "Levanta-te e Ri" a que assisti, tiveram um pouco de tudo o que acabei de referir. Todos.

E no espectáculo aconteceu o mesmo, havendo até pessoas (o grupinho de amigos da apresentadora Ana Marques) que tentavam antecipar a punch line de cada piada que o Bruno dizia. E estavam na fila da frente, por isso é muito provável que ele os tenha ouvido durante todo o espectáculo. Deve ter adorado.

Ouvi o Bruno dizer, numa entrevista recente, que não testou o seu material (em nenhum público) antes de estrear o seu espectáculo. Acho que foi um erro. Como diz o Seinfeld (e o Colin Quinn, e o Kevin Nealon, e o George Wallace, e o Chris Rock...), num documentário por ele produzido (Comedian), é o público que decide se já tens algo de jeito para apresentar. As piadas ditas nos espectáculos pequenos, desenvolvem-se consoante a reacção do público. Nos primeiros espectáculos (pequeno clubes, grupo de amigos, festas) começa-se normalmente com piadas de 4-5 frases, e à medida que vais pondo "buchas", vais desenvolvendo a tua piada até se ter ali qualquer coisa de jeito. Quando já se tem uma hora e tal de piadas em que já se sabe que a resposta é boa, então avança-se para o espectáculo. Basicamente, como qualquer outro produto no mercado, testa-se antes de ser lançado ao público.

Para todos os que se aguentaram até aqui, parabéns!
Por esta altura, já dava para terem ido ver o espectáculo do Bruno Nogueira e voltado. A pé!
Mas não vale a pena irem. Ele é o melhor que temos de stand up comedy em Portugal, mas não pagava outros 7.5 € para o voltar a ver. Antes gastá-los em cd's ou livros da especialidade. Ou melhor ainda, vinho verde.

1 comentário:

Anónimo disse...

Efectivamente, vinho verde é muito bem escolhido mas, 7.50€ a garrafa... tem de ser de muito boa qualidade. E dessa matéria eu entendo. Já de Stand Up...